terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A propósito da fé,


a palavra a São João da Cruz:
Dizem os teólogos que a fé é um hábito da alma ao mesmo tempo seguro e obscuro. E é obscuro porque nos propõe verdades reveladas sobre o próprio Deus que ultrapassam qualquer luz natural e excedem toda a compreensão humana, seja ela qual for. Daí decorre que a luz excessiva dada pela fé se transforma para a alma em profundas trevas. Como sabemos, qualquer força superior supera e enfraquece uma que lhe seja inferior; desse modo, o sol eclipsa todas as luzes restantes, ao ponto de, quando ele resplandece, todas as outras não parecerem propriamente luzes. Para além do mais, quando está no zénite, o seu brilho ultrapassa por completo a nossa capacidade visual até nos ofuscar em vez de nos fazer ver, devido a tornar-se excessivo e desproporcionado à nossa visão. O mesmo se passa com a luz da fé, que pelo seu prodigioso excesso abate e enfraquece a luz do intelecto.


Tomemos outro exemplo: suponhamos uma pessoa cega de nascença que, por isso mesmo, não conhece as cores. Ao esforçarmo-nos por fazer-lhe compreender o branco ou o amarelo, bem podemos dar explicação atrás de explicação que ela não retirará delas qualquer conhecimento directo, porque nunca viu as cores, cujo nome será a única coisa que ela reterá no espírito, através do ouvido. O mesmo se passa com a fé em relação à alma: a fé diz-nos coisas que nunca vimos nem conhecemos e a respeito das quais não possuímos a mais pequena réstia de conhecimento natural, mas retemo-las através do ouvido, crendo no que nos é ensinado e ofuscando em nós a luz natural. Com efeito, como nos diz São Paulo, «a fé surge da pregação» (Rom 10, 17). É como se ele nos dissesse: a fé não é uma ciência que reconhecemos pelos sentidos, mas um consentimento da alma que entra em nós pelo ouvido. Torna-se então evidente que a fé é para a alma uma noite escuríssima, mas é precisamente com a sua escuridão que ela ilumina: quanto mais a mergulha nas trevas, mais lhe faz brilhar a sua luz. Assim sendo, é ofuscando que ela alumia, segundo as palavras de Isaías: «se não acreditardes, não compreendereis» (7, 9).

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Fried e Whitman



Para quem, sensatamente, me alertou para o facto de ter deixado demasiado em cima da hora a notícia a entrevista, aqui fica o convite para aparecerem, se puderem e quiserem, claro, de hoje a oito dias, às 18h, no Instituto de Cultura Americana (FLUL), para uma conferência deste yours truly, intitulada "Contaminações hermenêuticas, ou como o crítico de arte Michael Fried me ajudou a ler a poesia de Walt Whitman."

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Ainda a propósito do silêncio,


eis algumas palavras colhidas no prefácio de José Manuel Cordeiro a O grão de amendoeira [Pedra Angular, 2011]:
'Quem caminha ama o silêncio. O silêncio permite-lhe regular a respiração ao ritmo dos seus passos. Como diz um provérbio “tuareg” (região do deserto Sahara): «O deserto é Deus, o silêncio é a sua palavra. E o peregrino alimenta-se desta palavra.» S. Basílio Magno costumava rezar: «Não sei falar-Te, Senhor. Ensina-me as palavras do silêncio. A ti, Senhor, só podemos louvar com as palavras do silêncio.»'
Até breve!

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Technology freaks


Amiúde ouvimos vozes defendendo o endeusamento da técnica, das novas tecnologias, nas quais uma modernidade (qu'est-ce que c'est ça?) se projecta.
São estas um absoluto?
Ao serviço de quê, de que causas, de que projectos, estarão?
Que discursos sob elas se insinuam?
Eis um tópico para reflexão, a partir deste excerto de Caritas in Veritate:

"Frequentemente, o desenvolvimento dos povos é considerado um problema de engenharia financeira, de abertura dos mercados, de redução das tarifas aduaneiras, de investimentos produtivos, de reformas institucionais; em suma, um problema apenas técnico. Todos estes âmbitos são muito importantes, mas não podemos deixar de interrogar-nos por que motivo, até agora, as opções de tipo técnico tenham resultado apenas de modo relativo. A razão há-de ser procurada mais profundamente. O desenvolvimento não será jamais garantido completamente por forças de certo modo automáticas e impessoais, sejam elas as do mercado ou as da política internacional. O desenvolvimento é impossível sem homens rectos, sem operadores económicos e homens políticos que sintam intensamente em suas consciências o apelo do homem comum. São necessárias tanto a preparação profissional como a coerência moral. Quando prevalece a absolutização da técnica, verifica-se uma confusão entre fins e meios: como único critério de acção, o empresário considerará o máximo lucro da produção; o político, a consolidação do poder; o cientista, o resultado das suas descobertas. Deste modo, sucede frequentemente que, sob a rede das relações económicas, financeiras ou políticas, persistem incompreensões, contrariedades e injustiças..." (Paulus Editora: Lisboa, 106)

E isto aplica-se a quem governa, a quem dirige, nas mais diferentes e irrelevantes, até, instâncias.
Ou, como dizia a minha avó: "Gente de boa índole, gente bem formada, quão necessária essa gente é!"
E eu, pensando quão urgente é um novo humanismo, reformulo: "Abaixo os tecnocratas e quem os apoiar!"