quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A fadiga dos passos

"Da abertura escura do interior deformado do calçado, a fadiga dos passos do trabalho olha-nos fixamente. No peso sólido, maciço, dos sapatos está retida a dureza da marcha lenta pelos sulcos que longamente se estendem, sempre iguais, pelo campo, sobre o qual perdura um vento agreste, No couro está [a marca] da humidade e da saturação do solo. Sob as solas, insinua-se a solidão do carreiro pelo cair da tarde. O grito mudo da terra vibra nos sapatos, o seu presentear silencioso do trigo que amadurece e o seu recusar-se inexplorado no puis desolado do campo de Inverno. Passa por este utensílio a inquietação sem queixume pela segurança do pão, a alegria sem palavras do acabar por vencer de novo a carestia, o estremecimento da chegada do nascimento e o tremor na ameaça da morte." Martin Heidegger

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Confidenciou-me um amigo

"Com a mãe no Céu, mais lhe pertencemos."

Tom Petty’s Last Song

«Estai [...] preparados»

«Na hora em que não pensais virá o Filho do homem». Jesus diz-lhes isto para que os discípulos fiquem vigilantes, para que estejam sempre preparados. Se lhes diz que virá quando menos O esperam, é porque quer levá-los a praticar a virtude com zelo e sem descanso. É como se lhes dissesse: «Se as pessoas soubessem quando vão morrer, estariam perfeitamente preparadas para esse dia». Mas o momento final da nossa vida é um segredo que escapa a cada homem. É por isso que o Senhor exige duas qualidades ao seu servo: que seja fiel, para que não atribua a si mesmo nada do que pertence ao seu Mestre, e que seja avisado, para administrar convenientemente tudo o que lhe foi confiado. São-nos pois necessárias estas duas qualidades para estarmos preparados para a chegada do Mestre. [...] Porque, como não sabemos qual é o dia do nosso encontro com Ele, dizemos para connosco: «O meu Senhor tarda em vir». O servo fiel e avisado não tem tal pensamento. Ó infeliz, que pensas que o teu Mestre se demora: imaginas que, por isso, Ele não virá? A sua vinda é certa. Porque não estás vigilante à sua espera? Não, o Senhor não está demorado: esse atraso só existe na imaginação do mau servo. [São João Crisóstomo (c. 345-407), presbítero de Antioquia, bispo de Constantinopla, doutor da Igreja Homilia 77 sobre S. Mateus]

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Uma reflexão sobre a Universidade

elaborada por António M. Feijó e Miguel Tamen, a partir de uma experiência concreta, a da criação da licenciatura em Estudos Gerais na Faculdade de Letras de Lisboa. Recomendo vivamente! Só uma nota (aparentemente) à margem mas que, se lerem o livro, verão ser pertinente. Em conversa, há dias,com um amigo que é professor no Instituto Superior Técnico, soube que ele se licenciou no Canadá em Química, com um minor em... Filosofia. Se tivermos igualmente presentes as experiências anglo-saxónicas, constataremos que as propostas feitas por estes colegas, não são tão insólitas quanto podem à partida parecer. Boas leituras!

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Dois olhares, pela imagem e pela palavra

ou como dois grandes vultos da nossa tradição cultural viram Lucas 10,38-42 («Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas coisas, quando uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada».): Velásquez e Santo Agostinho. Eis Velásquez:
E agora, algumas linhas do Sermão 104, de Santo Agostinho:Creio que compreendeis que estas duas mulheres, ambas diletas do Senhor, dignas do seu amor e suas discípulas, [...] são a imagem de duas formas de vida: a vida deste mundo e a vida do mundo futuro, a vida de trabalho e a vida de repouso, a vida das preocupações e a vida da bem-aventurança, a vida no tempo e a vida eterna. [...]A vida de Marta é o nosso mundo; a vida de Maria é o mundo que esperamos. Vivamos neste mundo com retidão, para obtermos o outro em plenitude. Que possuímos já dessa vida? [...] Precisamente, neste momento, vivemos de certa maneira essa vida: afastando o trabalho, pondo de parte as preocupações familiares, reuni-vos e escutais. Comportando-vos assim, assemelhais-vos a Maria. Isso torna-se-vos mais fácil do que a mim, que tenho de tomar a palavra. No entanto, o que digo é a Cristo que vou buscá-lo, e este alimento é de Cristo. Porque é o pão comum a todos, e é para isso que vivo em comunhão convosco.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Os anjos são os nossos pastores

Sob o signo de Wim Wenders, em As asas do desejo, eis o olhar de São João da Cruz sobre os anjos: Os anjos são os nossos pastores; não só levam a Deus as nossas mensagens, como também trazem até nós as mensagens que Deus nos envia. Eles alimentam-nos a alma com doces inspirações e comunicações divinas; sendo bons pastores, protegem-nos e defendem-nos dos lobos, isto é, dos demónios. Com as suas inspirações secretas, os anjos proporcionam à alma um conhecimento mais elevado de Deus; inflamando-a de uma chama mais viva de amor a Ele, chegam até a deixá-la ferida de amor [...]. A luz de Deus ilumina o anjo, penetrando-o com o seu esplendor e inflamando-o com o seu amor, porque o anjo é um espírito puro, completamente disponível para essa participação divina. Ao homem, porém, ilumina-o habitualmente de maneira obscura, dolorosa e penosa, porque o homem é impuro e fraco [...]. Mas quando o homem se torna verdadeiramente espiritual e se deixa transformar pelo amor divino que o purifica, recebe a união e a amorosa iluminação de Deus com uma suavidade semelhante à dos anjos [...]. Lembrai-vos de que é vão, perigoso e funesto exultarmos com algo que não seja um serviço a Deus, e considerai a infelicidade dos anjos que exultaram e se comprazeram com a sua própria beleza e seus próprios dons naturais; pois foi esse o motivo por que alguns deles caíram, privados de toda a beleza, no fundo dos abismos. Boa semana!